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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Beowulf - Caitlín R. Kiernan

Era uma vez um tempo anterior ao homem, quando o mundo ainda nem sequer existia, quando todo o cosmos se resumia ao vácuo escuro do buraco de Ginnunga. Na extremidade mais ao norte, ficavam

os ermos gélidos de Niflheim, e no ponto mais meridional, as terras das fornalhas vivas e faiscantes, domínio do gigante Muspéll, e, assim, designadas Muspellsheim. Na imensa vastidão deserta de Ginnunga,
os ventos frios do Norte encontravam-se com as brisas cálidas que sopravam do sul, e os vendavais rodopiantes de chuva e neve dissolviam-se em gotas de nada para formar Ymir, o pai de todos os Gigantes do Gelo. Os gigantes chamavam-lhe Aurgelmir, o vociferador
de cascalho. Audhumla, a primeira vaca, também teve origem nestas gotas de geada. Com o seu leite, alimentou Ymir, e, com a sua língua, lambeu o primeiro de todos os deuses, Búri, a partir dum bloco de sal. Numa época mais tardia, o filho de Búri, Bur, teve três filhos da deusa Bestla: Odin, Vili e Vé, e foram eles que mataram o poderoso Ymir e depois levaram o seu cadáver para o âmago profundo do buraco de Ginnunga. A partir do seu sangue, criaram os lagos, os rios e os mares, e, dos seus ossos, entalharam as montanhas. A partir dos seus dentes maciços, fizeram todas as pedras e o cascalho, do cérebro, as nuvens, e do seu crânio construíram o céu e elevaram-no acima da terra. E foi assim que os filhos de Búri edificaram o mundo, que viria a ser o lar dos filhos dos homens. Por último, serviram-se das sobrancelhas de Ymir para erguer uma enorme muralha, a que chamaram Midgard, situada para lá dos mares, por toda a volta da circunferência do disco do mundo, de modo a que os homens ficassem para sempre protegidos da hostilidade dos gigantes que não se afogaram no terrível dilúvio do sangue de Ymir.
E seria ali, sob o santuário de Midgard, que todas as incontáveis vidas dos homens haveriam de decorrer.
Ali haveriam de se erguer, lutar e cair. Ali haveriam de nascer e morrer. Ali, os maiores dentre eles
haveriam de encontrar a glória, graças a feitos prodigiosos e, depois de morrerem como heróis, seriam
escoltados pelas Valquírias através das portas do salão de Odin, Valhalla, onde se deleitam com comida e
bebida, à espera de Ragnarok, a derradeira batalha entre os deuses e os gigantes, na qual haverão de combater ao lado de Odin, o Pai de Todos. O grande lobo, Fenrir, será finalmente libertado no mundo e, nos oceanos, o mesmo acontecerá à serpente Midgard. Yggdrasil, a árvore do mundo, haverá de tremer as
suas raízes enfraquecidas pelas mandíbulas dilacerantes do dragão Nidhogg. Uma idade do machado, uma
idade de espadas contra espadas e escudos quebrados, em que os irmãos haverão de lutar entre si e matar-se uns aos outros; uma idade do vento, uma idade do lobo, no crepúsculo dos deuses, quando todo o cosmos se desintegrar, finalmente, no caos. Todavia, antes da chegada desse fim que nem
sequer os deuses são capazes de prever, viriam ainda todas as gerações de homens e mulheres. Todas as
incontáveis guerras e traições, amores, triunfos e sacrifícios. E os maiores poderiam, durante algum tempo,
ser lembrados e transmitidos através das canções e dos poemas dos escaldos. Ali, sob Midgard, haveria uma idade de heróis.


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